Maria Aparecida Tostes Freitas nasceu em 11 de agosto em algum ano da década de 1940, mas a Mivó nasceu dia 05 de dezembro de 1989. Mivó nasceu no dia em que eu nasci, porque foi aí que Maria Aparecida decidiu ser avó. Ela me escolheu para ser sua neta, e foi aí que nasceu a Mivó.
Mivó fez de tudo por mim nessa vida. Mivó me deu meu primeiro banho. Mivó me levava pra praia, passeava comigo no calçadão, brincava comigo na areia e no parquinho.
Mivó me ensinou a andar de bolsa. Mivó me dava bonecas, berços, carrinhos. Mivó me dava presentes. Mas o maior presente eu já tinha ganho, e se chamava Mivó.
Mivó me levava no ballet, no inglês, no colégio, na natação. Mivó andava comigo pra onde eu quisesse. Mivó me levava pro cinema, e levava na sua bolsa uma canga, para me cobrir caso eu sentisse frio.
Mivó me dava mamadeira de água com açúcar quando eu chorava. Mivó me dizia que eu não precisava ter medo de nada.
Mivó morria de medo quando eu nadava. Mivó não queria que eu andasse em montanha russa. Mivó tinha medo de que alguma coisa acontecesse comigo.
Mivó andava comigo pela Moreira César, pelos shoppings. Mivó me ensinou a ser consumista. Mamãe e papai puxavam o freio, Mivó soltava. Mivó me estragou.
Mivó tinha muito ciúme. Mivó tinha medo de que eu me machucasse. Mivó me protegia.
Mivó sempre cuidava de mim. Mivó me olhava, e eu sabia o que ela queria dizer. Eu e Mivó sempre tivemos uma conexão muito forte.
Mivó me levou pra São Pedro D’Aldeia, Rio das Ostras, Iguaba, Búzios, Araruama, Miracema, Guarapari, Vitória, São Paulo, Florianópolis, Gramado, Curitiba. Mivó não me levou a Disney. Mivó não deixou que eu a levasse pra Disney.
Mivó me levou aos teatros, aos cinemas, aos shows. Mivó me ensinou a apreciar as artes. Mivó me ensinou a gostar de Elis Regina, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Toquinho, e tantos outros. Mivó me ensinou o que era MPB.
Mivó começou a ficar doente. Meu pronto socorro, meu anjo da guarda. Mivó tinha moscas volantes nos olhos. Mivó começou a engasgar enquanto comia. Mivó começou a respirar com dificuldade. Mivó começou a falar meio enrolado.
Mivó foi diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica. Mivó chorou. E eu chorei, mas não deixava Mivó ver.
Mivó precisou de cuidados. Mivó emagreceu. Mivó desidratou e desnutriu. Mivó fez gastrostomia. Eu alimentei a Mivó. Mivó parou de falar, e passou a escrever.
Mivó mandou eu ir pra Disney.
Mivó me fez redescobrir quem eu sou a cada dia, quando me olhava. Mivó tinha os olhos mais lindos do mundo, cor do céu.
Mivó precisou de ajuda. Mivó teve dificuldades.
Mivó parou de falar. Mivó parou de se comunicar.
Mivó suou.
Mivó sentiu falta de ar.
Mivó fez nebulização, e eu segurei a máscara dela.
A luz sumiu dos olhos da Mivó. Mivó perdeu a consciência pela primeira vez desde o início da doença.
Eu chorei.
Eu saí correndo.
Mivó parou de buscar o ar.
Mivó parou de sofrer no dia 16 de agosto de 2010.
E eu me perguntei: e agora, que faço eu da vida sem você?
3 responses to “una settimana”
Oi, Le.
Sei que não existe nada que melhore esse tipo de coisa, mas se houver qualquer coisa…
Eu lembro bem do quanto ela significa pra vc. E eu conheço o vazio que fica nesse momento.
De verdade, qualquer coisa, vc sabe onde me procurar…
Beijos
Mariana
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Tostes, eu venho pensando algo pra lhe dizer desde que você mandou aquela dm pra mim. Claro, você sabe que geralmente leio o que você escreve aqui, as well. Eu queria dizer algo que fugisse do que todos devem estar lhe dizendo hoje, mas não sei.. mas, do fundo do meu coração, eu desejo que você seja forte nesse momento. Eu sei qual é a sensação. Aquela sensação de que existia no mundo alguém que era a cereja do nosso bolo. A minha avó fazia tudo pra mim e por mim também, sabe. Ela teve um derrame e metade do corpo dela ficou paralisado, mas todo dia que eu chegava da escola, ela fazia a comida que eu quisesse comer. Eu dormia com ela e recebia carinho. Enfim, ela era meu tudo. Eu não podia sair com ela, até porque ela nao saia muito de casa, mas .. era uma avó como eu nunca terei outra. E ela me deixou aqui, sem eu nem poder dizer tchau pra ela. Conto isso porque apesar de só saber da relação de vocês duas pelo que leio e pelo que você sempre falava dela naqueles 15 dias, eu sei que dor é essa. Eu achei curioso aquele seu tweet sobre ela abençoar o jogo do Botafogo, lembra? E naquela ocasião o Botafogo acabou ganhando! Eu acredito que quem nós amamos e se foram estão olhando por nós, em algum lugar. Preciso acreditar que minha vó cuida de mim de alguma maneira. Eu sou uma grande admiradora sua, você simplesmente conquistou isso de mim. Digo isso porque sou sincera quando digo que queria poder lhe ajudar de alguma maneira, e talvez escrevendo eu passe essa msg. Eu queria escrever antes, mas eu simplesmente não sabia o que. No mais, seja forte. Mesmo. É o que sua vó espera de você. Vença. Persista. Sempre que eu entro em um assunto sobre pessoas incríveis, inteligentes, e tudo mais, todo mundo que eu conheço já ouviu falar de você. HAHA. Eu sei que isso não tem nada a ver com a história, mas saiba, eu gosto muito muito muito muito mesmo de você, mesmo daqui, do “do outro lado da poça”, como você me disse. Eu queria te dar um abraço, acho que eu transmitiria minha mensagem com sucesso. Já que não posso, sinta-se abraçada! Vai dar tudo certo, no fim. E aonde quer que eu esteja, estarei torcendo por você. AH, vê se não pare de guiar aqueles malucos que vão viver o sonho daqueles 15 dias nas férias. Eu devo ir, em breve. Um grande abraço, de alguém que gosta muuuuuuuuuuuuuuuuuuito de você, Thárcyla.
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Oi. Meu nome é Mariana e essa é a primeira vez que eu entro no seu wordpress. Eu sei que você não me conhece, nem eu conheço você. Mas há certas coisas que são comuns às pessoas. Não importa de onde elas venham ou quem elas sejam. E eu precisava dizer o quanto eu adorei o que você escreve. Não só esse post. Mas em especial, este.
Acho que eu consegui ter dimensão de pelo menos dez por cento da sua verdadeira intenção. A forma como você escreveu, pensou, e chorou, me fez agir da mesma forma. Eu não conheço essa pessoa tão especial pra você, posso não saber de nada. Mas onde quer que ela esteja, ela sabe de tudo o que você escreveu e como você se sentiu. E eu gostaria de ter alguém tão especial na minha vida como ela foi pra você, e eu tenho certeza que tenho esse alguém. Mas você deve tá pensando: quem é ela pra chegar aqui do nada e dizer essas coisas? Pois é, não sou ninguém. Mas esse ninguém não ia conseguir dormir sem compartilhar esse comentário.
E aquele outro sobre “o amor é outra coisa”, você me permite salvar? Prometo não reproduzir por aí sem créditos (é mesmo seu? eu adorei), porque eu achei genial.
Enfim, era só isso. Parabéns pelo o que você escreve e a forma com a qual você o faz. Eu admirei.
Até algum dia,
Mariana.
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