Já tem um tempo que eu procuro ser mais espectadora das redes sociais do que mais uma pessoa tentando formar as opiniões alheias. Eu não sei até que ponto isso é bom ou ruim, mas eu me sinto mais confortável assim. Não gosto de discussões acaloradas via internet, muito menos de ficar recebendo notificações a cada segundo no meu celular porque alguém comentou isso ou aquilo sobre o que eu falei.
Frente a frente, é outra história – embora a minha (quase) timidez e a minha (pseudo) insegurança deixem quase sempre os argumentos adversários se tornarem vencedores. Por preguiça ou por tédio.
Mas os acontecimentos recentes, desencadeados pelo aumento nos preços das passagens, estão fazendo com que eu mude levemente este meu comportamento nas redes sociais. Não a ponto de gerar discussões, mas o suficiente pra me colocar junto da gente que luta por um Brasil melhor.
E, enquanto (ainda!) estudante de relações internacionais, é preciso manifestar(!!) o que eu penso da política e disso tudo – nem que seja aqui, onde sei que tenho pouco alcance de divulgação.
De repente, parece que muitas gerações acordaram e resolveram demonstrar o quão inconformados est(amos)ão com o que está acontecendo há muito tempo no Brasil. Não se trata só da política, da corrupção, ou de problemas aos quais um ou mais partidos políticos dão cara. A manifestação não é sobre 20 centavos, embora os “líderes” do “movimento” ainda digam que esta é a principal bandeira do movimento.
Mas que bandeira?
Tenho visto nas redes sociais – principalmente nas páginas dos eventos que se criam para divulgar a hora e o local do próximo manifesto – muita gente dizendo que os movimentos não correspondem a nenhum partido, e que não se devem levar bandeiras para as demonstrações – a menos que sejam bandeiras do Brasil.
Então estamos todos lutando sob as 27 estrelas? Sob a ordem e o progresso?
E, sobre a ordem: os mais de 100 mil manifestantes que foram ontem para o Centro do Rio revestiram-se do caráter pacífico que uma manifestação deve ter. Aí meia dúzia de gatos pingados (números indicam cerca de 300 vândalos) resolvem aproveitar o momento de mobilização para vandalizar e depredar o patrimônio público. Isso sem levar em conta um sem número de estabelecimentos privados que também pagaram a conta de gente que, ao invés de respeitar o movimento pela GARANTIA DOS DIREITOS DE TODOS, saqueia lojas, farmácias, etc.
Mas eu não quero ficar criticando quem faz o que eu considero errado. Não quero gastar minhas linhas com esse tipo de análise.
Eu quero falar do orgulho de ser brasileiro, e da alegria de viver este momento. As imagens das manifestações de ontem causaram emoção até no mais duro dos corações. Ver aquele mar de gente reunido na Avenida Rio Branco, em plena segunda feira, sem a desculpa do carnaval ou do futebol, fez o coração bater mais forte. É inegável que nós estamos fazendo história.
Outras cidades do Brasil, como SP, BH, e Brasília também viram seus manifestantes na rua. Sobre Brasília, ver aquela galera subindo no Congresso Nacional foi uma coisa que mexeu profundamente comigo. Eu não sabia se me preocupava com as consequências daquilo, ou se achava lindo demais o povo tomando o seu lugar, com aquelas sombras refletidas na arquitetura de Niemeyer. Dá arrepio só de lembrar!
Esses sentimentos dúbios que os acontecimentos em Brasília me despertaram acompanham os sentimentos diversificados que se formam dentro de mim ao ver tudo o que está acontecendo.
Ao mesmo tempo em que dá um orgulho danado de ser brasileiro e de participar desse despertar no outono, não concordo com o que metade do povo aproveita o momento para dizer/fazer. Uma das coisas que me causa profunda dor é ver uma gente que mama nas tetas do governo se aproveita dos benefícios que o governo coloca à disposição do povo criticar a Presidenta Dilma como se ela fosse culpada de tudo o que acontece de ruim no Brasil. É claro que tem muita coisa errada, e que a Presidenta tem muito poder para colocar mais ordem na casa. Mas não é só isso. Combater o governo e o sistema político abstratamente, sem saber o que poderia substituí-lo, pode ser simplista e até mesmo perigoso.
O povo brasileiro tem uma patologia que me assusta: a mania de colocar a culpa no sistema, a mania de colocar a culpa no governante. A culpa não é da Dilma, ou do Feliciano, ou do Datena, ou de quem quer que seja. A culpa é nossa.
A culpa é de quem fura a fila, de quem dá sempre o seu jeitinho pra tirar vantagem em tudo, de quem não respeita a vaga do idoso na rua ou no shopping, de quem leva 11 produtos pra caixa de 10 itens no mercado, de quem dá troco errado, de quem não age com honestidade nas pequenas coisas. A culpa é de quem não escolheu com consciência os seus candidatos a governador, prefeito, deputados, senadores. A culpa é de quem não acompanha de perto os mandatos de quem elegeu para os postos governantes.
O uso indevido do dinheiro público e os atos de corrupção são reflexos do que a gente faz no nosso dia a dia. E eu sinto que, a menos que todas as muitas vozes que gritam por mudança se unam sob uma bandeira clara e um pedido honesto, toda a mobilização será em vão.
Isso porque fica difícil entender as manifestações quando são muitos os gritos. Fica difícil de entender o que se quer quando até mesmo quem está gritando nas ruas não sabe direito pelo que grita. Fica difícil entender o que se grita quando não tem uma voz de comando que leva a pauta de reivindicações para as mesas de negociação.
A única voz uníssona que eu tenho ouvido e visto por aí é a que pede que as manifestações sejam pacíficas. Com isso, estou, é claro, de acordo. Mas me parece que nos falta um ingrediente principal pra que tudo isso faça, de fato, sentido: ideologia.
Não é que o movimento tenha que ser de esquerda ou de direita. Mas as manifestações precisam sim ter uma cara mais clara, e uma voz límpida que possa ser ouvida. Do mesmo modo, não adianta uma direita reacionária querer se valer das manifestações para atacar de maneira feroz quem está no poder, como estou vendo acontecer por aí. Se a manifestação é séria, há que se assumir a sua verdadeira identidade, banindo aqueles que vandalizam bem como aqueles que ofendem.
O futuro está nas nossas mãos. Resta-nos descobrir, sem demora, a melhor forma de conduzir a mudança que já está batendo na porta.